Sábado de manhã em casa dos papás... Estar na cama a manhã toda é uma utopia, tendo em conta que nesta casa toda a gente acorda com as galinhas e às 8.30h já há corrupio para o pequeno almoço. Há sempre leitinho e cevada quentes. Há sempre bolachinhas e marmelada da minha mãe. Há sempre o Jornal de Notícias do dia.
Lá pego no jornal, mas recuso-me a começar pelas desgraças anunciadas na primeira página. Viro-o sempre ao contrario e desfolho-o de trás para a frente. Passo as páginas referentes ao desporto, ou melhor, ao futebol, infelizmente já passei a fase em que o desporto rei me encantava e onde costumo demorar mais tempo é nas páginas da cultura. Fecho o jornal e passo para a NS. Não tenho conseguido esperar pela Segunda ou Terça no Diploma. Aliás, os meus almoços por lá têm escasseado nos últimos tempos.
Também na NS começo pelo fim... Manias. E lá procuro a crónica de Joel Neto (que simpaticamente me deixa transcrever os seus textos aqui neste sítio. Sim, porque eu acho que se deve pedir autorização ao autor de qualquer obra, para a difundir, seja em que sítio for!)
Ora, habituei-me a ler estes textos semanalmente. Claro que há uns com os quais me identifico mais do que com outros, mas regra geral, todos eles têm o dom de me arrancar gargalhadas ( o “Tubarões de Aquário” não, porque me tocou numa ferida ainda recente e ainda não foi desta que consegui rir). O texto de hoje fez-me viajar pelas memórias...
Dei por mim nas aulas de código, quando o instrutor debitava anedotas do Fernando Rocha, o que fazia as delícias das trabalhadoras das fábricas da região que já tinham reprovado cinco vezes no exame. Acho que nenhuma delas se atreve a conduzir pelas ruas da capital, mas se calhar à personagens semelhantes por lá.
Dei por mim na minha primeira aula de condução em plena nacional 1 no apogeu das suas obras (já lá vão quase oito anos mas outro dia constatei que as obras continuam) e nos coitados dos condutores que seguiam atrás de mim... Terapia de choque logo no primeiro dia!
Dei por mim no exame de condução quando um colega, homem, decidiu ignorar o sinal STOP mesmo à saída da DGV-Aveiro, para o qual tinha sido euforicamente lembrado no dia anterior, e que lhe custou a reprovação imediata.
Dei por mim quando conduzia o meu AYGO de nome Bolinhas com a inconsciência tão típica de quem não tinha ainda sofrido um acidente a sério.
Dei por mim no parque de estacionamento da Alfândega do Porto, às 24h de uma noite de Agosto a mudar um pneu, com uns tacões de 12 cm e com um mini-vestido, nuns incríveis 4m37s enquanto dois caramelos apostavam dentro do seu carro se eu seria capaz ou não.
E dei por mim ontem à noite a fazer a viagem Guimarães-Gaia sozinha e a pensar o quanto me estava a sentir maçarica e insegura a conduzir... E hoje de manhã, pimba! Dou com este texto que me fez pensar que se eu fosse considerada condutora de segunda, será que me deixavam trocar o trajecto casa, colégio por casa, veterinário? E o casa, centro comercial da região (que aqui na zona do grande Porto seria complicado tendo em conta a quantidade de catedrais de consumo que por aqui existem) por casa, baixa da cidade?
Divirtam-se e vejam o que o trânsito pode fazer aos nervos de uma pessoa...
“Já se sabe que as mulheres, na sua generalidade, conduzem muito mal. Mas as mulheres têm desculpa: são mulheres. Na verdade, não há nada menos sexy do que uma mulher conduzir tão bem que um tipo não possa sequer mandar-lhe um piropo ao ponto de embraiagem. Um homem conduzir tão mal como uma mulher é que simplesmente não tem justificação. E, porém, aí estão eles, atravancando a cidade – já não apenas durante a semana (e a todo o instante, de dia e de noite, à hora de ponta e fora dela, com chuva persistente e sob o mais belo sol, como ainda há três anos chegamos a ter), mas agora aos fins-de-semana também.
Pois, por mim, é altura de dizer basta. Se está mesmo decidido que, em vez de irem comprar travesseiros a Sintra, os condutores da chamada Grande Lisboa vão passar a inundar todos os sábados à tarde a Baixa de cidade, onde aparentemente é muito mais divertido conduzir à chuva com o carro cheio de velhotes, então há que tomar medidas. E eu proponho, desde já, a oficialização de dois estatutos diferentes entre os automobilistas (peço desculpa pela terminologia, mas isto é a sério), sob a competente supervisão da Direcção-Geral de Viação (DGV): um com o nome ‘Condutores de Primeira’ e outro com o nome ‘Condutores de Segunda’.
Um Condutor de Segunda, homem ou mulher, seria autorizado apenas três trajectos diferentes: de casa até ao trabalho, de casa até ao colégio dos miúdos e de casa até ao centro comercial da sua área de residência. Se quisesse combinar mais do que um destes trajectos numa só viagem, era-lhe automaticamente permitido fazê-lo, a bem da poupança de energia e da protecção do ambiente. Em querendo ir, por exemplo, passear para a Baixa ao fim-de-semana, já teria de pedir autorização. Se a ideia fosse ir no domingo à terra buscar chouriços e água-pé, também, mas nesse caso sem termo para o regresso. Tanto quanto à DGV dissesse respeito, a repovoação da província seria incentivada.
Já um Condutor de Primeira poderia andar por todo o lado. Para manter esse estatuto de Condutor de Primeira, porém, teria de deixar a carta de condução a salvo de pontos de penalização, igualmente atribuídos pela DGV. Deixar o carro ir abaixo num semáforo dava três pontos. Guiar a 30 km/h num local onde fosse permitido guiar a 50 km/h, cinco pontos. Entupir o acesso aos bairros históricos, na presunção de que, pedindo verdadeiramente com jeitinho, o grunho da EMEL acabaria por abrir a cancela, sete pontos. E parar de repente no meio da estrada ao sentir algum tipo de perigo (mesmo que fictício), como os camaleões param e se disfarçam e ficam ali muito quietinhos a ver se o predador não dá por eles, dez pontos. Com cinco pontos, um Condutor de Primeira perdia provisoriamente o estatuto, sendo forçado, ao fim de três meses, a novo teste de condução. Com dez, perdia-o de vez, confinando-se irremediavelmente aos três trajectos dos Condutores de Segunda: trabalho, colégio e shopping.
Ou então, pronto, as pessoas percebiam que conduzir um automóvel não é tarefa para todos. E percebiam, sobretudo, que a chamada ‘condução defensiva’ não tem nada que ver com ir mais devagarinho, com pensar mais vezes no sítio para onde virar ou conferir durante mais tempo se é seguro seguir em frente. Eu não gosto de carros e muito menos me excita a velocidade, o seu fernesi, o seu suposto ‘ganda estilo’. Mas sei que tudo o que importa no trânsito, como em tantas outras coisas, é o ritmo. Condução segura é aquela que se alimenta da razão, mas funciona no campo da intuição. Condução segura é aquela em que se sente a estrada e se pressente a aproximação do cruzamento – e em que, por essa altura, já se pôs o pisca e se diminuiu a velocidade e se encostou à esquerda, mesmo sem se dar por isso. Condução segura é aquela em que se percebe que andar devagar de mais é pelo menos tão perigoso como andar depressa demais – e que nunca, por nunca ser, parar é uma opção.
Mas é claro que, se tão poucos o perceberam em mais de cem anos de automóveis, não é pela conversa que vamos lá. Aqui fica, portanto, o meu projecto de reorganização do Estado. Já se têm fundado partidos políticos por bem menos. Em todo o caso, estão nesta crónica anos de vida – todos eles perdidos no desnecessariamente absurdo trânsito de Lisboa.”
Joel Neto
CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós")
NS', 26 de Fevereiro de 2011
www.joelneto.com
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