A minha última segunda-feira não foi fácil... Aliás, a semana não tem primado pelo facilitismo. Mas o sol quentinho que se fez sentir pela cidade berço no primeiro dia da semana (o Domingo para mim é o último) e o almoço na esplanada do Diploma serviu para retemperar as forças que a manhã me tinha levado.
Foi aliás neste restaurante que descobri as crónicas de Joel Neto na NS, revista que acompanha o Jornal de Notícias (e o Diário de Notícias penso eu) aos Sábados e que se tornaram na leitura obrigatória de um dos meus primeiros dias da semana, enquanto espero pela refeição que o sr. Nelson há-de trazer. Não sei porquê, mas lê-las no Diploma, na revista que já foi manuseada por quinhentas mãos e que data de alguns dias antes tem mais encanto.
Ora aqui vai a transcrição do texto que me fez sorrir, gargalhar e até fazer uma lista daquilo que sei e que não sei fazer e do que me orgulho e do que não me orgulho... Prometo que mal encontre o carregador da máquina fotográfica partilho uma foto do bolo mármore e da lista...
“Não julguem que não estou alerta para o problema. Sei bem que os tempos mudaram, que as mulheres tiveram de aprender uma série de novas competências, que aprender novas competências lhes levou todo o tempo que haviam destinado a cultivar melhor as velhas e que, basicamente, é bastante normal, hoje em dia, uma mulher não saber coser um botão. Mas há uma diferença significativa entre uma mulher não saber coser um botão e essa mulher sentir orgulho em não saber coser um botão, o que será pelo menos tão triste como um homem ter de chamar o reboque por causa de um pneu furado e, ainda por cima, envaidecer-se disso.
Não me entendam mal: sou eu quem cose os meus botões, quando eles se desprendem. E sou eu quem, não tendo a empregada deixado camisas passadas, liga o ferro de engomar e faz os possíveis. E sou eu quem, dois ou três dias por semana, vai para a frente do fogão. Acho as Marias-rapazes sexy e, portanto, sempre fiz um esforço por, em compensação, ser um pouco prendado também. Mas uma coisa é um homem decorar a sala porque quer e uma mulher acender uma lareira porque lhe apetece. Outra é esse homem ter de decorar a sala porque não sabe acender a lareira e essa mulher ter de acender a lareira porque a simples ideia de decorar a sala lhe ofende o espírito, lhe coarcta a individualidade, lhe ameaça a independência.
Hoje em dia, vivemos rodeados de convenções. Antes também vivíamos, mas, em tudo o que interessa a esta crónica, as convenções eram melhores. Uma mulher mesmo a sério sabia fazer uma bainha, cozinhar um bolo mármore, tricotar uma camisola. Uma mulher mais ou menos sabia pelo menos coser um botão, fazer uma canja e decorar a sala. O mesmo com os homens. Um homem mesmo a sério sabia estrovar um anzol, disparar uma caçadeira, bater um sand wedge. Um homem mais ou menos sabia pelo menos mudar um pneu, acender uma lareira e abrir uma garrafa de vinho. Entretanto, comia-se melhor, porque havia sempre bolo mármore na cozinha. Fazia-se talvez menos sexo oral, mas por outro lado ele não estava tão banalizado. Quando ocorria, era uma festa – e pela vizinhança, em sabendo-se, morria-se de inveja. No essencial, vivia-se menos, mas melhor.
Aqui há uns dias precisei de uma broca de 6mm com ponta de diamante. Em processo de mudanças – vocês já devem estar fartos de crónicas com mudanças, mas juro que fiquei com dados para continuar nisto até 2012 –, fui à caixa de ferramentas e encontrei quarenta e nove brocas de todos os tipos e tamanhos, mas nenhuma de 6mm com ponta de diamante. Entretanto, era domingo, pelo que me restavam três soluções: desistir de pendurar os quadros, ir para um shopping fazer sardinha em lata ou pedir uma broca emprestada a um vizinho. Telefonei a nove. Dois não estavam. Dois não tinham berbequim. E cinco nem sequer tinham ferramentas: quando precisavam de pregar um prego, apertar uma porca ou vedar um azulejo, chamavam um profissional ou então legavam a avaria às gerações vindouras. O que talvez fosse mau sinal sobre a minha vizinhança se não se passasse o mesmo com as outras vizinhanças todas, na cidade e até na província, onde a escassez de homens a sério é ainda mais gritante.
Porque um homem a sério não tem de ter apenas um escadote, um berbequim e uma caixa de parafusos: um homem a sério tem mesmo de ter uma aparafusadora eléctrica para, no fim, apertar aqueles parafusos com segurança e conforto. Dir-me-ão os mais incautos, convencidos de que me apanharam agora em falta: “Ah-há! Uma aparafusadora eléctrica. Homem que é homem aparafusa à mão!” Tontice. Um homem a sério tem uma ferramenta para cada propósito e não faz de forma artesanal nada que possa fazer electricamente, como os profissionais. Bem vistas as coisas, um homem a sério podia ter a casa toda em reparações e, porém, ficar ali sentado a tarde inteira, a ver as suas máquinas trabalharem sozinhas. No limite, até ganhava tempo para estrovar anzóis.
Deu-me fome, esta conversa. E sabem que mais? Eu efectivamente tenho um bolo mármore quentinho na cozinha. Bem o mereço: há duas semanas que deixei a aparafusadora eléctrica a apertar parafusos no quarto de arrumos.”
Joel Neto
CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós")
NS', 5 de Fevereiro de 2011
www.joelneto.com
2 comentários:
Sr. Nerso! Não troques o nome ao homem! :)
E, como diria o coleguinha, sinal +!
o Sr. Nerso anda a precisar de férias... Ou então da tua visita... Anda tão murchinho... :)
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